sábado, 23 de maio de 2009

Entrevista da terra : Patrícia Queirós

Eis a primeira "Entrevista da terra". Esta semana a entrevistada foi Patrícia Queirós, uma caidense de coração, responsável pela criação de um grupo de teatro em Caíde de Rei, o Teatro da Linha 5, e ainda responsável por aulas de expressão dramática a crianças, a “Turma dos Fantoches”. Tem sido uma peça fundamental no desenvolvimento cultural de Caíde de Rei.

1. Quais os motivos que levaram à criaçao de um grupo de teatro em Caíde de Rei? Qual a pedra fundamental que destaca?
O Presidente da Junta, António Meireles, deu arranque a uma iniciativa absolutamente inovadora e inédita, com a criaçao de um espaço cultural onde se reunem todas as associações de Caíde de Rei. Este encontro cultural sofria uma lacuna com a falta de um grupo de teatro que fosse da própria terra. Sabendo que eu havia ingressado num curso superior de teatro há uns anos, fez-me um convite de criar um grupo de teatro com pessoas de cá, de Caíde. Eu… aceitei! A pedra fundamental desde início foi a sensaçao de que algo de grandioso estava a acontecer e que o momento era este, dinamizar um espaço que convidava Caíde a despertar.

2. Como tem sido a recepçao do público, certamente imaturo no que se refere ao teatro?
A receptividade tem sido incrível. O reconhecimento das produções da Linha 5 tem-se reflectido com casa sempre cheia e com a satisfaçao do público, que depois de assistir às actuações fica dias a falar nisso e com visível vontade de voltar a ver-nos.
A preocupação pela relação teatro/público foi o meu primeiro ponto de partida para este projecto. Importava-me pensar sobre como ganhar espaço na vida das pessoas face ao poder da televisão, que absorve toda a gente de forma cada vez mais sufocante! (na minha opiniao). E de maneira que decidi escrever, conceber e dirigir os espectáculos tendo sempre uma forte noção de actualidade, proximidade com o público e recorrendo ao género da comédia, não só porque gosto mas também porque sei que é a mais imediata forma de atracção. Educar e preparar um público para outras vertentes artísticas tem sido uma enorme preocupaçao minha tambem. E o meu lema desde início foi: “Se as pessoas não vierem ao teatro eu levo o teatro até elas”. Mas rapidamente a palavra passou e de repente a casa tornou-se pequena para receber tanta gente.
Desde o primeiro dia que digo que o objectivo a que eu própria me proponho não é só artístico é acima de tudo social. Mobilizar Caíde é o que eu pretendo, demore o tempo que demorar.

3. Tem feito aposta na parte musical e até poética nos espectáculos. São vertentes para continuar a seguir?
Com certeza. Como eu disse o género característico da Linha 5 é essencialmente a comédia, mas isso é um dos meios para dar às pessoas muito mais. E por isso irei sempre abrir portas à música e à poesia para que a riqueza de cada espectáculo seja ainda maior. Depende sempre da concepçao de cada produçao. O espectáculo de Abril foi exemplo disso porque incluiu teatro, canto e poesia na mesma noite. O próprio público acabou a cantar a “Grandola” connosco. Além disso, o facto de criar também actuaçoes da Linha 5 em dias especiais e comemorativos permite-me descentralizar e investir noutras àreas artísticas. E assim, vou pondo os elementos do grupo em contacto com diferentes formas de arte, e fazendo-as chegar também ao público.

4. Quanto a talentos da nossa terra, o que tem a dizer? Ainda haverá por aí talentos escondidos?
Os talentos da nossa terra são mais do que nós imaginamos. Claro que com a Linha 5 não pretendo criar actores profissionais, porque o grupo é assumidamente amador, mas o facto de trabalhar tecnicamente com os elementos do grupo, durante o processo de trabalho, permite-me, não só reconhecer talentos, como despertá-los. E não tenho dúvidas que isto será também uma oportunidade das pessoas reconhecerem o seu próprio talento e quem sabe seguir nesta direcçao, como eu fiz.
Uma das coisas que quero muito também, é recuperar talentos de geraçoes anteriores que acabaram por perder o interesse por estas actividades lúdicas e que tanto preenchia as suas vidas. Reanimar-lhes o espírito activo e faze-los recordar o bem que lhes fazia tocar, cantar ou actuar. Aproximar as pessoas e criar uma rede de boas e positivas acçoes. Afinal, comportamento gera comportamento. E às vezes o que custa é arrancar, a partir daí…

5. Qual o ponto alto que destaca no trabalho desenvolvido até agora?
Relativamente ao Teatro da Linha 5 destaco o ambiente de trabalho que se vive nos ensaios, em que todos nos divertimos, partilhamos receios e ultrapassamos obstáculos; e também os dias das actuações em que se sente um companheirismo inexplicável, uma vontade imensa de agradar o público com um bom trabalho e um momento inesquecível, para todos.
Em relação ao Cais, tenho que realçar o trabalho da Dra. Tania Macieira, que tem feito um excelente trabalho como Directora do Cais. Uma casa cultural depende em grande medida de um bom programador e dinamizador e sem dúvida que o seu trabalho revela as máximas qualidades nessa matéria, fazendo um enorme esforço por manter a união e cooperação de todas as associações, abrindo as portas à participação da própria Casa do Povo e das escolas da freguesia. Um trabalho estruturado e bem planeado, no sentido de criar uma rede comunitária.

6. Quais as perspectivas futuras para o Teatro da Linha 5? Já tem novos espectáculos em mente?
Bem, eu tenho-me dedicado de corpo e alma a este grupo e nem os próprios elementos tem noção das horas que passo a escrever, a organizar tabela de ensaios, a pensar na forma como vou trabalhar com eles de maneira a aproveitar o melhor que eles tem para dar, enfim… Todo o trabalho que está por detrás da Linha 5, que não se ve mas que está lá e que poupa muitas preocupações a todos os outros elementos do grupo. E porque o resultado tem sido mais que surpreendente sinto uma enorme vontade de levar ao palco uma série de outros espectáculos. Tenho duas produçoes já em mente, que só serao reveladas na hora certa. Mas posso assegurar que, se Deus me der força e os caidenses quiserem, terão até ao final do ano mais dois grandes espectáculos, fora as pequenas actuações que também tenho agendadas, com o Teatro da Linha 5.

7. Também é responsável por um grupo de crianças direccionado à expressao dramática/corporal. Como tem sido esse trabalho?
É verdade. Assim que arranquei com o grupo de teatro, tomei pessoalmente a iniciativa (com autorizaçao e acompanhamento da direcçao do Cais) de ir a todas as escolas do ensino básico de Caíde e comuniquei a minha disponibilidade para iniciar uma aula de duas horas por semana, de expressao dramática, gratuitamente. E foi aqui que mais se reflectiu a falta de noçao das pessoas sobre a vantagem desta área no desenvolvimento cognitivo, sensitivo e motor da criança. Ou seja, tenho apenas 5 alunos. E já cheguei a ter só 3. Mas estou muito satisfeita com o que tenho vindo a fazer, porque desde o início das aulas, em Outubro, noto uma verdadeira evoluçao dos meus meninos e meninas, a quem decidi chamar “Turma dos Fantoches”. Pelo facto de ter poucos alunos tenho vindo a adiar uma actuaçao infantil, mas já lhes prometi que, nem que sejam só os 5, vou construir um espectáculo para eles fazerem, agora por alturas do Verao. Aproveito para dizer que admiro profundamente os pais dos meus alunos, que fazem tudo para lhes conceder o máximo de oportunidades. Demonstraram desde início serem pessoas receptivas ao que se lhe diz ser o melhor para os seus filhos. Admiro-os cada vez mais, não só por isso, mas também porque fazem questao de aproximar e acompanhar os filhos ao Cais, não só para terem as aulas como para assistirem aos espectáculos da Linha 5 e de todos os outros grupos que por lá passam. Isso é o verdadeiro príncipio de uma boa formaçao – o acompanhamento.

8. É a responsável pelas “Noites no Sótao”, um espaço de tertúlia, que acontece todas as segundas-feiras, no Cais Cultural. Como tem sido a receptividade por parte dos caidenses?
Sim. Na verdade criei as “Noites no Sótao” como projecto paralelo à minha acçao no teatro. Propus à direcçao do Cais Cultural este projecto de, todas as semanas (às segundas, à noite), ocupar o sótao do Cais para realizar tertúlias, sessões de poesia, de esclarecimento, enfim, diferentes temas que pudessem por as pessoas a falar e a ouvir de forma mais focada, sem distracçoes exteriores, um espaço absolutamente alternativo onde se abram os horizontes. Sei que é uma iniciativa inédita e invulgar, mas por isso é tao interessante.
São noites absolutamente informais onde as conversas acontecem com toda a naturalidade e abertas a toda a gente, independentemente da idade, do sexo, da profissão… Qualquer pessoa, mesmo que não seja de Caíde está à vontade para estar presente e participar das “Noites no Sótao”. Terei todo o gosto em recebe-los.

9. Como será Caíde de Rei daqui em diante com a aposta na cultura que se tem verificado?
Por muito que a maioria das pessoas não pense assim, o investimento na cultura é a mais segura forma de se evitarem crises e fracassos ao nível social (seja na área da educaçao, saúde ou justiça). Porque a riqueza cultural direcciona-nos para um imenso estado de clarividencia que nos afasta naturalmente do insensanto, do desonesto, do desumano. Estimula a nossa sensibilidade de forma clara e permanente e cria em cada um de nós um imenso sentido de unidade, que é o que mais falta nos dias de hoje. Aproximar as pessoas com temas comuns, faze-las perceber o drama do outro e não pensar que está sozinho, partilhar das alegrias e conquistas para redobrar o prazer da sua própria felicidade. Será que é dificil de perceber que não há nada melhor que um povo feliz e unido? E porque tenho visto, em noites de espectáculos nesta nova casa cultural, pessoas que não via há anos, que não viam outras tantas há outros tantos anos, só posso pensar que Caíde está no bom caminho. Sem nos apercebermos, porque vamos notar mais à distancia do tempo, Caíde está a formar uma rede humana como há muito não se via. Finalmente as pessoas encontram-se não só na altura do S.Pedro, mas em cada iniciativa que o Cais promove. As crianças tem acesso a oportunidades que as afastam de maus caminhos. Os idosos podem partilhar a sua sabedoria e experiencia, porque finalmente Caíde despertou os sentidos e voltou a ver e ouvir.
Quem é que tem coragem de dizer que isto não é evoluir e fazer um futuro melhor? E o futuro faz-se hoje, por isso está nas nossas mãos traça-lo, conscientes que o fruto que vamos colher é de qualidade. Chega de fazer más “colheitas”. Se Caíde é uma terra rica em gente e história a partir de agora começou um novo capítulo e é bom que as pessoas reconheçam isso e escrevam algumas linhas também. O Cais ainda não completou meio ano de actividade oficial e os resultados são já bem visiveis, por isso imaginei daqui a mais uns tantos.

10. Algum apelo, pedido ou informaçao que queira transmitir?
Não vou pedir, não vou apelar, vou apenas informar. Informo todos quantos lerem esta entrevista de que o Cais não tem apoios absolutamente nenhuns, consequentemente o Teatro da Linha 5, a Turma dos Fantoches e as Noites no Sótao também não. As entidades devidas não nos ajudam porque não somos oficiais e ainda assim, apesar disso, fazemos um trabalho árduo para vós… Caidenses! Eu não precisava de vir para Caíde para fazer teatro, ou dar aulas ou ocupar o meu tempo, quem me conhece sabe que há anos tenho estado no Porto a trabalhar profissionalmente. Mas se acabo sempre por cá vir parar é por amor a esta terra, a esta gente. A única coisa que vos peço humildemente é que aceitem. Nada mais tenho que vos dar, a não ser o máximo de mim.
Para finalizar, quero felicitar o Dr. Meireles (Pres. da Junta e “pai” do Cais Cultural) pela coragem de querer mudar o rumo da corrente de Caíde, embora com isso esteja a enfrentar o seu “Cabo das Tormentas”, tudo para servir devidamente este povo. Agradecer à Dra. Tania (Directora Cultural do Cais) pela dedicaçao incansavel que tem para com esta Casa e com esta Terra, que acolheu como sua. Agradecer-te Luís Peixoto, pelo privilégio de abrir as honras desta nova rubrica do teu blog sobre Caíde, sendo a primeira personalidade entrevistada, e dizer-te que esta é mais uma surpreendente iniciativa, que merece os meus parabéns. Também tu próprio és um exemplo de um bom fruto desta terra.
E a todos os Caidenses informo em primeira mão, que dada a aparente inexistencia de alguém para organizar a festa de S. Pedro (e depois de muita especulaçao em torno do nome que assumiria esta responsabilidade) o Cais Cultural “arregaçou as mangas” e vai (a menos de 2 meses da festa) assumir a sua organizaçao, de forma a que 2009 não seja recordado como o ano em que não houve comemoraçao das festas da terra. Será portanto organizada pela direcçao do Cais e pelas direcçoes das suas associaçoes. Trabalharemos arduamente da melhor forma que pudermos, para fazermos o melhor que conseguirmos. Contamos com o vosso apoio.

Informações:
Blog: http://teatrodalinha5.blogspot.com/
Email: teatrodalinha5@gmail.com
Blog: http://noitesnosotao.blogspot.com/
Email: noitesnosotao@gmail.com

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